Nos últimos anos, as comunidades passaram a se organizar. Em meio à pandemia de covid-19, os nativos da Ilha do Mel se articularam junto ao Ministério Público do Paraná (MPPR) e conseguiram em julho, o enquadramento como grupo prioritário na campanha de vacinação. Apesar do Plano Nacional de Imunização (PNI) estabelecer a prioridade para as populações quilombolas, indígenas e tradicionais, elas enfrentaram dificuldades em muitos locais do país.
Para Marinelli, a mobilização tem se dado pelo desejo de maior participação na gestão do território. O protocolo demarca a diferença entre consulta e audiência pública e define a obrigatoriedade de uso de linguagem acessível, de apresentação prévia da pauta e do respeito ao tempo demandado pelas comunidades. Para a construção do documento, os nativos receberam assessoria do Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (Cepedis), vinculado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), e da organização não governamental Terra de Direitos. Diversos debates foram realizados nos últimos meses.
Em nota divulgada pela Terra de Direitos, a assessora jurídica da organização Jaqueline Andrade pontua que, na Ilha do Mel, há limitações históricas no acesso à direitos, dentre eles o direito à moradia em decorrência da especulação imobiliária, da exploração ambiental e da incompreensão dos modos de ser e viver das populações tradicionais que vivem em áreas ambientalmente protegidas. “O protocolo de consulta é importante instrumento que unifica a identidade tradicional e serve como um documento de enfrentamento das violações e garantia de direitos”, acrescenta ela.
Embora já existam diferentes decisões judiciais favoráveis aos povos tradicionais que levam em conta os protocolos de consulta, muitas vezes eles são ignorados tanto pelos órgãos públicos como pelos tribunais. Há três meses a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) organizou um seminário online sobre o tema para debater o cenário atual. Há uma incompreensão da comunidade jurídica na visão de Carlos Marés, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
“A consulta não é exatamente um direito. É uma decorrência do direito de existir dos povos. Esse direito de existência e de ter uma organização social própria como diz a Constituição Federal é essencial. A Convenção 169 ratifica esse direito a existir e de estar no território. Como já vem de um debate mais amadurecido, ela estabelece que os Estados nacionais realizem consultas cada vez que tomem medidas e determinações legais, administrativas ou legislativas, que possam afetar o direito à existência”, disse ele.