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Políticas públicas baseadas na ciência são importantes para lidar com a Amazônia em transição

“A ciência produzida na Amazônia é de extrema importância para o mundo. E a única maneira de implementar políticas públicas acertadas na Amazônia é com base em evidências científicas”, disse Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), em palestra apresentada na FAPESP Week France, realizada entre os dias 21 e 27 de novembro.
Artaxo é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para o pesquisador, é importante compreender como preservar esse ecossistema por ser algo único em todo o mundo. Não apenas é a maior extensão de floresta tropical como também o único lugar em que a própria floresta controla seu clima interno, com processos que impactam o mundo todo. Com sua biodiversidade ímpar, a Amazônia possibilita a manutenção de serviços ecossistêmicos vitais e pode contribuir também para absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, se políticas de preservação efetivas forem implantadas.
Artaxo explicou que a floresta tem a capacidade de regular o ciclo hidrológico de grande parte da América do Sul. “A Amazônia é responsável pelo processamento e exportação de vapor d’água para a atmosfera, levando chuva e umidade para diferentes regiões, como o Brasil central, São Paulo e o norte da Argentina, por exemplo. Cada árvore processa e emite grandes quantidades de água para a atmosfera. Há ainda as emissões de gases, como o isopreno e partículas biogênicas, que são essenciais para a formação de nuvens, pois todo o sistema é integrado e otimizado pela natureza”, disse.
Outro exemplo importante do impacto da floresta está na sua capacidade de armazenar carbono, questão fundamental para as mudanças climáticas. “A Amazônia contém 15% da produtividade primária [fotossíntese] no mundo. Portanto, é uma engrenagem importante para o ciclo do carbono global. Ela armazena entre 100 e 130 bilhões de toneladas de carbono em biomassa. Quanto é isso? Queimamos todos os anos em combustíveis fósseis cerca de 9 gigatons de carbono. Portanto, isso equivale entre 10 e 13 anos da emissão pela queima de combustíveis fósseis no mundo. É uma quantidade enorme, que pode fazer toda a diferença em termos de mudanças climáticas globais”, disse Artaxo.
Segundo o pesquisador, a regulação hidrológica e a capacidade de estocar carbono fazem parte de um sistema complexo e não linear de interação entre a floresta, a atmosfera e o solo, que ainda precisa ser estudado, monitorado e conhecido. “No entanto, sabemos que o ecossistema amazônico sofre pressões da agricultura, do desmatamento e das mudanças climáticas, o que traz uma série de mudanças importantes e impactos regionais e globais”, disse.
A floresta está ligada ao clima global de maneira iterativa, explicou Artaxo. “O desmatamento da Amazônia influencia o clima global e o clima global também influencia a floresta de uma maneira muito significativa. Como o desmatamento e as mudanças climáticas são impactos que já estão ocorrendo e influenciam na integridade da floresta, muitos estudos já documentam mudanças no clima e no ciclo do carbono. Por isso é importante estudar de modo integrado os processos e os efeitos dessas mudanças no ecossistema”, disse.
Um dos principais impactos já observados está no aumento da temperatura média não só na Amazônia, mas em outras regiões influenciadas pela hidrologia da floresta. “A média anual de temperatura na Amazônia está cerca de 2° C mais alta do que no início do século passado. A média global em áreas continentais subiu 1,5 °C. Podem parecer mudanças pequenas, mas elas têm efeitos importantes no funcionamento do ecossistema”, disse.
Entre os impactos documentados, está o aumento na duração da estação seca, intensificação do ciclo hidrológico e diminuição da evapotranspiração da floresta, especialmente na região do arco do desmatamento.
Dados da literatura científica mostram ainda um forte crescimento do desmatamento. “Em 1988, 5% da Amazônia havia sido desmatada e, em 2018, o índice saltou para 19%. Além disso, tivemos uma derrubada adicional de 9.750 quilômetros quadrados em 2019. Importante salientar que 90% desse desmatamento é ilegal. Como se vê, em poucas décadas, houve uma grande mudança na área de floresta da Amazônia”, disse.
Os impactos da degradação ambiental são diversos e afetam todo o país. “O mais recente, que ganhou muito destaque, foi o rio de fumaça que veio da Amazônia, passou por Mato Grosso, Goiás e escureceu o céu da cidade de São Paulo às três horas da tarde. Esse tipo de fenômeno pode se tornar mais comum e já é visto, com diferentes intensidades e frequências, em imagens de satélites”, disse.
“Estamos alterando o estado de equilíbrio que existia na Amazônia há 20 ou 30 anos. Atualmente, parte do bioma permanece em estágio de floresta e parte foi transformada em área de pastagem, cultivo ou floresta secundária abandonada”, disse.
De acordo com Artaxo, alguns estudos mostram que, se a temperatura aumentar 4 °C ou se o desmatamento chegar a 40% da área total (atualmente está em 20%), a floresta remanescente pode não ter condições de se autossustentar, o que trará impactos enormes nas chuvas no continente sul-americano e também no clima global.
Apoio a estudos na Amazônia
A FAPESP tem apoiado diversas pesquisas e projetos que estudem a região amazônica sob diferentes e complementares perspectivas. Muitos desses projetos de pesquisa são financiados em parceira com outras instituições, como a Fundação de Pesquisa da Amazônia (Fapeam), o Departamento de Energia dos Estados Unidos, a National Science Foundation (EUA), o Belmont Forum e o Conselho de Pesquisa em Meio Ambiente do Reino Unido (Nerc).
O presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, também ressaltou durante o simpósio a importância das pesquisas científicas realizadas na Amazônia. “A Fundação é a maior apoiadora de estudos na Amazônia e temos um dos mais amplos portfólios de pesquisa em mudanças climáticas. Há muitos anos a Amazônia tem sido um assunto estratégico para a FAPESP”, disse Zago.
São mais de 2.500 projetos de pesquisa na região amazônica. Da mesma forma, a FAPESP tem um portfólio com mais de 2.300 projetos de pesquisa sobre mudanças climáticas.
Muitos desses projetos ocorrem na Torre ATTO (Amazon Tall Tower Observatory), em funcionamento desde 2015 e que tem como objetivo monitorar alterações no funcionamento natural do ecossistema ao longo de várias décadas. Com 325 metros de altura e instalada a 150 quilômetros a nordeste de Manaus, a torre foi construída por meio de uma parceria entre o Instituto Max Planck, da Alemanha, e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) do Brasil, com recursos da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep).
Agências de fomento estaduais, como a FAPESP, a Fapeam e a Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar), financiam projetos de pesquisa na torre. Entre os projetos apoiados pela FAPESP na torre ATTO estão dois Temáticos: o “ GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica” e “ O ciclo de vida de aerossóis e nuvens na Amazônia: emissões biogênicas, emissões de queimadas e impactos no ecossistema”, ambos coordenados por Artaxo.
Artaxo destacou o monitoramento do desmatamento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e os diferentes satélites que avaliam o ciclo de carbono.
“A Amazônia é um laboratório importante para entendermos o funcionamento da interação entre o clima e a biologia da floresta, chave na questão das mudanças climáticas globais. Precisamos desenvolver ciência e políticas públicas sustentáveis para usar e preservar esse rico patrimônio brasileiro, chave para as gerações atuais e futuras”, disse Artaxo.
O simpósio FAPESP Week France foi realizado entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france.

Fapesp

 

Redação

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