POLÍTICA

Hospitais públicos são “cascatas de desperdícios”, diz Médico

 

Para oncologista especializado em gestão – que aumentou em quase 300% o atendimento em rede de clínicas de oncologia somente reorganizando o trabalho –, as enormes filas e corredores lotados dos hospitais públicos são, também, frutos da má gestão

As enormes filas e os corredores lotados de hospitais públicos são, também, resultados da falta de gestão adequada dos “fluxos dos pacientes”. A avaliação é de um dos maiores especialistas do Brasil em gestão da saúde, o médico oncologista Carlos Frederico Pinto, autor do livro “Em busca do cuidado perfeito” e diretor do Instituto de Oncologia do Vale (IOV), rede de clínicas de São José dos Campos (SP) que em dez anos aumentou em cerca de 300% a capacidade de atendimento apenas fazendo mudanças de gestão.

O médico, que já realizou mais de 100 palestras sobre o tema em cinco continentes, será um dos palestrantes do Lean Summit Saúde, que vai reunir amanhã (dia 11 de junho), em São Paulo, casos de hospitais (como Sírio Libanês, Grupo Santa Joana, entre outros) que estão reformulando a gestão ao adotar o sistema lean, filosofia de gestão originária do modelo Toyota. Na entrevista a seguir, o médico explica como mudanças aparentemente simples poderiam melhorar a saúde pública.

 

Quais os típicos problemas de um hospital público que poderiam ser rapidamente resolvidos com mudanças de gestão?

Carlos Frederico Pinto – São os problemas crônicos de organizações que não pensam em fluxo de valor. Posso dar um monte de exemplos. Não se gerencia como as ambulâncias deveriam chegar ao pronto-socorro. Não há um plano sobre como os especialistas devem avaliar pacientes. O fluxo de valor fica desagregado e interrompido. É comum chamarem um especialista no mesmo momento em que pedem um exame. Ele gastou tempo, mas vai voltar horas depois porque o exame não estava pronto. Os fluxos são desconectados, e o manejo dos pacientes não segue lógicas planejadas. Isso cria cascatas de desperdícios possíveis de serem eliminadas, mas não há uma gestão voltada para isso. Se os hospitais tivessem um gerenciamento adequado dos fluxos, os atendimentos seriam mais rápidos. E os riscos, muito menores, pois sem gestão também não se enxerga riscos: de infecção, de complicações etc.

Esse gerenciamento pode diminuir as filas que se vê nos hospitais públicos?

CFP – Sim. O problema das filas é que a maior parte dos gestores dos hospitais públicos não sabe gerenciar fila. Tratam todos os pacientes da fila, ou a maior parte deles, como se fossem iguais. Poucos entendem que é melhor você tirar da fila, o mais rápido possível, o paciente de baixo risco. Porque quanto mais tempo ele ficar na fila, mais risco ele corre. Hospital é o lugar mais perigoso do mundo. É mais perigoso ficar num hospital do que nadar com tubarões. E fila provoca mais fila, que provoca mais espera, que provoca mais riscos, mais custos… E isso é simples de ser melhorado, mas os gestores não conseguem enxergar os fluxos diferentes.

Como se poderia organizar essa fila para torná-la mais rápida?

CFP – Imagine que você vai a uma agência bancária bem organizada. E há lá pelo menos três filas separadas. Tem a fila do office boy que tem 50 boletos para pagar. Tem a fila preferencial, dos idosos, gestantes… E tem a fila de quem tem um boleto para pagar. Imagine se fosse uma fila só, o que iria acontecer. Quem está com 50 boletos vai fazer todo mundo esperar. Isso vai criar uma sobrecarga no sistema. Para evitar isso, o banco faz uma fila só para quem tem 50 boletos. Então, um hospital precisa ter o que chamamos de filas dedicadas, fluxos dedicados, para os casos mais complexos, para deixar os mais simples em filas rápidas. Ou seja, os fluxos de pacientes precisam ser separados e organizados conforme o tipo de fluxo. E isso não ocorre na maior parte dos hospitais públicos, onde os fluxos ficam misturados e desorganizados.

Isso parece ser algo básico. Não se faz isso no atendimento público?

CFP – Poucos lugares fazem isso da forma correta. No geral, entra todo mundo na sala de espera, de quem tem um resfriado simples até casos graves. Não há fluxos dedicados. Claro que quem tem uma doença gravíssima passa na frente, o que é muito correto. Porém, não há um atendimento dedicado a quem tem um problema simples, no qual um analgésico resolveria. Esse paciente fica cinco, seis horas no hospital; deveria ficar 20 minutos. Ele usa, sem necessidade, muito recurso do hospital, e o caso dele pode agravar.

Dá a impressão de que seria fácil resolver isso. Por que não é feito?

CFP – Porque os gestores não enxergam isso. Falta aprender a enxergar. Os gestores, muitas vezes, por diversos motivos, acomodam-se e aceitam as coisas como elas estão. Exige enxergar a medicina não apenas como tratamentos, mas também como organização do trabalho.

Essa reorganização das filas poderia diminuir os pacientes que ficam nos corredores dos hospitais?

CFP – Em termos. Isso também impacta. Porém, esse problema dos corredores tem outros componentes, que é como gerenciar o que acontece depois da fila, em que há outros problemas também não resolvidos e que geram os corredores lotados. Por exemplo, tomadas de decisão mal gerenciadas. Profissionais ficam, muitas vezes, “batendo cabeça”, e as vagas para tirar os pacientes dos corredores não aparecem. Isso se agrava porque uma parte razoável dos pacientes dos corredores está lá porque eles não foram tratados de forma adequada anteriormente, uma semana antes, um mês antes…

É uma falha do sistema público de saúde como um todo?

CFP – Sim. O sistema básico, o do posto de saúde, também não organiza o atendimento de forma adequada. Não planeja o cuidado. E isso empurra pacientes para os prontos-socorros dos hospitais. É um problema que nasce lá atrás. Não se atende de forma adequada no posto de saúde a diabete, a pressão alta… Então, um tempo depois, o paciente vai para o pronto-socorro em crise. O sistema público não é organizado para evitar crises médicas, mas, ao contrário, para favorecê-las. Aí, os prontos-socorros dos hospitais ficam com corredores lotados.

Gestores públicos justificam as filas e os corredores lotados pela falta de pessoas e de recursos para atender a alta demanda…

CFP – São as duas coisas. Há, sim, altas demandas e poucos recursos. Porém, os recursos existentes são muito mal utilizados. Não se faz uma boa gestão desses recursos, nem nas unidades básicas nem nos prontos-socorros e hospitais. Os desperdícios são enormes. Apenas obter mais recursos não resolveria porque desperdícios continuariam.

 

 lean.org.br

 

Redação

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